Editorial

O público
Postado em 27 de agosto de 2022 @ 14:14 |

Por Eliton Tomasi

Andy Warhol profetizou! São chegados os tempos. Todos estão matando e morrendo pelos seus 15 minutos de fama.

Ninguém mais quer ser apenas público, expectador. Todos querem estar nos palcos, sob os holofotes. Isso é bom se o intuito é ser criativo, expressar-se, afinal, arte é sobre liberdade, incondicional, inclusive para além das limitações do tecnicismo. Mas quando o interesse pela fama sobrepõe-se ao desejo pelo sucesso como realização subjetiva, temos que recorrer a Freud.

De acordo com Sigmund Freud, há em algumas pessoas uma busca incessante para serem notadas e admiradas. E para entender os motivos disso, é preciso voltar à infância.

“Segundo Freud, a criança, ao nascer, se depara com uma sociedade neurótica e vai se moldando aos poucos, tornando-se mais e mais sensível a essa neurose. A criança quer chorar, gritar, expressar livremente seus sentimentos e até sua agressividade, mas precocemente é reprimida em seus atos, para ser apreciada e amada. Ela deve se comportar para ser aceita e querida e assim pode ir aprendendo a ter a necessidade de aprovação externa sobre os seus comportamentos. Ela percebe, ou sente que existe um padrão para “acessar o amor do outro” e, cada vez que ela não consegue alcançar esse padrão em suas experiências, se sente insegura e frustrada, dando início ao processo de neuroses. O amor deixa de ser algo entendido como natural, inerente, incondicional, para ser visto como algo a ser conquistado, ou seja, surge a necessidade de “se fazer amado”. Dessa forma, de acordo com essas primeiras experiências infantis e conforme as frustrações como estas vão crescendo, a autoestima vai diminuindo, criando-se uma lacuna entre o querer e o conseguir ser amado. O amor-próprio diminui gradativamente frente às inseguranças surgidas. Sem amor-próprio o amor ao outro se torna um processo dificultoso e árduo.”
Fonte: Carla, Daniela Rodrigues, Revista Psique – set.19

Com o fim das restrições sanitárias por conta da pandemia, estamos vivendo agora uma epidemia (boa) de shows de rock e metal no Brasil. Já pararam para contar quantos shows, principalmente internacionais, estão agendados no Brasil daqui até o final do ano? Claro que não vou nunca me ausentar de criticar a compulsão, essa obsessão doentia pelas bandas estrangeiras. Os shows internacionais recebem a maior atenção de público, produtores, mídia e até das próprias bandas nacionais que se sujeitam a pagar quantias bastante expressivas de dinheiro para fazer um show de abertura para uma atração internacional.

Mas se os shows internacionais estão sempre lotados, alguns “sold-out”, mesmo em meio a uma crise econômica, e moral, protagonizada pelo atual (des)governo federal, os shows de bandas brasileiras padecem com a falta de público. Há exceções, claro, mas quem realmente vive o underground nacional sabe da dificuldade de se mobilizar público para os shows de bandas brasileiras.

Entender o porquê disso talvez seja o mais complexo objeto de estudo desse movimento cultural de rock e heavy metal no Brasil. São numerosas as hipóteses para isso e não contamos com uma base de dados – como um mapeamento cultural, por exemplo -, para tentar chegar a conclusões técnicas.

Sabemos apenas que contamos com um dos maiores públicos de rock e heavy metal do mundo, e também de bandas. Só no site Metal Archives –  possível referência para o assunto -, no Brasil há 7420 bandas de heavy metal cadastradas, sendo o quarto por quantidade, atrás apenas de Estados Unidos com mais de 35 mil bandas, Alemanha com mais de 12 mil bandas cadastradas e Itália com 7511 bandas. O Brasil está à frente mesmo de países que foram fundamentais para o surgimento do estilo/movimento como o Reino Unido, Canadá e Suécia.

Mas voltando a Warhol e Freud, me questiono se os 15 minutos de fama, potencializados pelas mídias sociais, não estão “subindo à cabeça” dos músicos e suas bandas e fazendo com que eles negligenciem a relação com o público que é formado por indivíduos com a mesma necessidade de “acessar o amor do outro”. Penso que, em paralelo as ações convencionais de divulgação, seja interessante reconhecer e acessar a subjetividade dos públicos, diminuir as distâncias entre famosos e fãs e resignificar essa relação para algo mais próximo das relações entre amigos. Na ocasião de um show, seria razoável convidar o fã como quem convida um amigo para jantar: um convite inbox, via direct, no privado, ou algo que o valha, dizendo: “Hey Fulano, como é que você está, cara? Minha banda vai tocar hoje, sua presença seria muito importante para mim e me deixaria muito feliz”. Nem só de metal vive o headbanger, um pouco de amor não faz mal de vez em quando.

 


Se vivesse nos dias de hoje, Nietzsche seria headbanger
Postado em 14 de setembro de 2021 @ 17:53 |

Por Eliton Tomasi

Acabei de ver o corpo de uma pessoa morta caído na rua. Estava a caminho da minha casa quando me deparei com um bloqueio policial. Ao me aproximar, logo percebi o motivo do bloqueio. O corpo estava coberto, com apenas uma parte lateral a mostra. Notei que a pessoa usava chinelos e roupas simples, o que me deu sinais a respeito de sua condição econômica. O efetivo policial presente no local era mínimo e, de fato, não demonstrava muita preocupação com o ocorrido.

Continuei meu caminho, a exemplo da vida, que segue.
Todavia, a reflexão sobre a morte me tomou de assalto. Uma de minhas meditações constantes, diga-se de passagem. Mas a visão daquele corpo potencializou o pensamento, como se já não houvessem tantas mortes no mundo nesse momento!

Mais do que pensar sobre a causa daquela morte, os objetos centrais de meus pensamentos eram, na verdade, sobre aspectos de como teria sido a vida daquela pessoa. Quem teria sido? Quantos anos tinha ou qual o seu nome? O que mais gostava de fazer?
Interessante que no momento que escrevo esse texto – que dei início assim que cheguei em casa – percebo que, na verdade, não estava refletindo sobre a morte, mas sim sobre a vida!

Nossos juízos de valor são mesmos quase sempre equivocados.
Isso significa que sabemos pouco sobre nós, sobre os outros, sobre a vida e a morte, ou somos forçados a um saber sobre essas coisas que é alguma coisa diferente daquilo que realmente é?

Circunstancialmente, quando aparecemos no mundo, há toda uma composição de saberes já formuladas. Tais saberes manifestam-se, inclusive, sobre a função dos pais e professores de nos transmitirem esses mesmos saberes até que passam a ser nossos tão naturalmente que nem percebemos que foram estabelecidos sem nosso próprio, mesmo equivocado, juízo. E assim permanecem até nossa morte.

Nietzsche dizia que “temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade”. Mesmo que eu esteja sob a eminencia de não apenas destruir a poética desse encantador pensamento nietzcheniano, como de também fazer papel de ridículo, ainda assim prefiro pensar que temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a mentira.

Nietzsche, de fato, não foi contemporâneo do punk rock que resignificou as letras de amor ao transformá-las em manifestos políticos de protesto. Tampouco conheceu o metal que poderia ter sido a própria trilha sonora de uma de suas principais obras, “O Anticristo”. Se vivesse nos dias de hoje, Nietzsche seria headbanger.

Se a política é um mal necessário, a religião é um apêndice inútil desse mal.
Felizmente não me resta mais a ingenuidade da esperança de um mundo melhor, mas tão somente a objetividade da ininterrupção de minha própria transformação para algo cada vez mais distante daqueles saberes pré-natais que são a raiz de todo abuso que há no mundo.

Através desse texto, celebro a vida daquela pessoa cujo corpo prostrava-se entre o asfalto e o meio-fio da rua. Independente de qual tenha sido sua biografia, nunca mais haverá outra pessoa como aquela. Tão quanto as flores que nunca são iguais, apesar do florescer que sempre é.


Não apoie o metal nacional!
Postado em 04 de fevereiro de 2021 @ 13:07 |

Por Eliton Tomasi

Eu tinha aproximadamente 12 anos de idade quando o rock entrou na minha vida. E a mudou para sempre! Como qualquer garoto, fiquei fascinado com as bandas que, na época, tocavam na MTV (era o início da emissora): Guns ‘N’ Roses, Metallica, Faith No More, Alice In Chains, Sepultura, etc. Com o dinheiro da mesada, logo passei a comprar LPs, cassetes, VHS, revistas de música, camisetas das bandas que mais curtia. Os presentes que eu pedia em aniversários, natais e datas desse tipo eram sempre relacionados ao rock. A primeira camiseta foi a minha mãe que me comprou, uma branca do Guns, com aquela cruz da tatuagem do Axel. Lembro também que logo depois ela me comprou uma do Iron Maiden (The Evil That Men Do) e no mesmo pedido minha mãe comprou uma do Metallica para o meu irmão, que na época também passou a curtir comigo – um tempo depois ele perdeu o interesse pelo rock e essa camiseta acabou ficando comigo. Nunca me esqueço também de uma manhã que acordei e vi uma cópia em LP do Black Album do Metallica – que acabava de ser lançado – que minha mãe tinha me comprado de presente. Me sinto muito emocionado ao lembrar e escrever sobre isso.

Meu primeiro show foi do Guns ‘N’ Roses no Anhembi em São Paulo em Dezembro de 1992. Nessa época meu grande parceiro de rock era meu primo que morava em São Paulo. Por alguma razão ele não iria no show, eu fiquei morrendo de medo de ir sozinho, eu tinha apenas 15 anos. Mas eu estava tão arrebatado pela música e pelo Guns ‘N’ Roses que enfrentei o medo. Meu tio me comprou o ingresso e no dia do show peguei um ônibus de Sorocaba para São Paulo e viajei sozinho pela primeira vez. Ao chegar na rodoviária da Barra Funda, meu tio e meu primo esperavam por mim. Minha alegria foi imensa ao, após nos cumprimentarmos, eles me dizerem que haviam comprado dois ingressos e que meu primo também iria ao show comigo. Não esqueço desse show até hoje, inclusive dos detalhes da ida e da volta. Aliás, me lembro que, ao entrar no Anhembi, durante a revista, fui impedido de entrar com uma corrente com um pingente do Megadeth que o policial falou que poderia ser “arma branca”. Tive que descartar minha correntinha numa caixa com vários outros itens parecidos. Aquele pingente era mais um presente da minha mãe e jogar aquele pingente foi como jogar meu coração naquela caixa. Mas eu o fiz, porque a vontade de ver aquele show do Guns era maior.

Nesses últimos 31 anos, sempre  fui a um show, de banda internacional ou brasileira, pelo desejo, muitas vezes avassalador, de assistir aquele show. Sempre comprei um LP, CD ou camiseta, de banda internacional ou brasileira, pela vontade de possuir aquele item mais do que tudo! Para ouvir, para vestir, me expressar, fazer parte do que sou, como numa extensão da minha identidade.

Quando me lembro do brilho nos olhos do moleque Eliton ao comprar um novo LP, ou da euforia até chegar o dia e a hora de um show, é esse tipo de sentimento que espero que as pessoas tenham ao ouvir uma música de um banda do metal brasileiro.

Não apoie o metal nacional! Viva, o metal nacional!


O pós-headbanger
Postado em 26 de maio de 2020 @ 01:16 |

Por Eliton Tomasi

E o mundo parou. Perante uma ameaça invisível.
As implicações do isolamento social, ao contrário, são bastante visíveis. Porém necessárias.
O trabalho em home-office, a atividade física no quintal ou na sala de estar… A pior parte talvez seja a privação da socialização, da manifestação de afeto pelo toque, pelo olhar. O desejo do outro tornou-se medo.

No mundo das artes, especialmente da música, as implicações são mesmo impactantes. Seja por sua natureza pública, seja por depender, em grande parte, de uma sociabilidade presencial: os shows!

Para as bandas economicamente grandes, aqui me refiro aquelas bem famosas que fazem shows e turnês o ano todo,  as consequências da pandemia por coronavírus estão sendo mesmo problemáticas. O setor, que já sofreu duros golpes e transformações por conta da digitalização da música, agora também tem sob ameaça sua principal fonte de receitas, que são os shows ao vivo.

Por outro lado, para as bandas do underground, que com muito trabalho conseguem tocar alguns poucos shows por ano, e que precisam fazer esforços descomunais para mobilizar público para esses mesmos shows – esforços esses, na maioria das vezes, frustrados – às mudanças as quais já estamos sendo submetidos podem significar muito mais oportunidades do que desafios.

A desconstrução compulsória da normalidade pode potencializar novas formas de pensar e agir. A criatividade, nesse momento, pode fazer germinar ideias que serão consideradas novas normalidades no pós-pandemia.

As “lives” e os eventos online, como o festival “Roadie Crew – Online Festival”, tem demonstrado certa competência para isso. São mais horizontais e democráticos no acesso ao público e às bandas, possibilitando que novos e mais grupos cheguem até o grande público. A última edição do “Roadie Crew – Online Festival”, por exemplo, foi assistido por mais de 10 mil pessoas só na estreia pelo live-streaming! Se pensado no formato tradicional, um evento com essas características não mobilizaria o mesmo público nem na mais utópica expectativa.

Às margens das características desse tipo de evento online, estão também os hábitos culturais contemporâneos do público, mais especificamente dos headbangers. Dados recentes apontam que cerca de 78% do público que participou desse tipo de evento está na faixa etária compreendida entre 25 e 45 anos de idade. Não obstante, 65% também são do sexo masculino.

Não é difícil traçar um perfil do headbanger contemporâneo. Tampouco entender que no pós-pandemia, o headbanger voltará a frequentar os shows de suas bandas preferidas quando essas vierem ao Brasil. O fetiche heavy metal dos caros e grandes shows em estádios e casas de espetáculos, das pistas vips e do merchandise, terão força econômica e cultural para retornarem, mesmo que isso leve anos. Já o underground está compelido a uma reinvenção. E quem sabe a uma solução: a aceitação de que o pós-headbanger, mesmo antes da pandemia, já preferia curtir metal underground #emcasa.


Idem!
Postado em 22 de agosto de 2019 @ 18:59 |

Por Eliton Tomasi

Identidades são como caminhos para um sentido da vida. Parece haver inevitabilidade em nos identificar com coisas e hábitos para que essas mesmas coisas e hábitos nos tragam algum sentido para cada inspirar e expirar. Penso ser quase irresistível o desejo de nos identificar dentro de certas classificações: roqueiro, headbanger, punk, indie, músico, advogado, gay, trans, não-binário, religioso, ateu, comunista, neoliberal, feminista, terraplanista, mãe, pai, deus, diabo.

Talvez as identidades sejam mesmo essenciais. Inerentes a própria existência. Mesmo que se decida abrir mão de qualquer definição identitária, ainda assim haverá uma profissão, uma condição familiar, um nome que definirá uma identidade. Surgimos ao mundo dentro de um corpo, de uma forma, portanto dentro de uma condição física e biológica inerentemente identitária. Gosto de pensar que a identidade é a própria existência individual e essas coisas e hábitos às quais nos identificamos, são como a própria celebração do existir.

O grande dilema, a meu ver, é quando passamos a nos identificar tanto com essas coisas e hábitos de forma que elas se tornam maiores e mais importantes do que nós mesmos. Parece que passamos a olhar mais para fora e menos para dentro. É como se fosse tão importante ser um fã de Black Metal que, mesmo que eu adore Scorpions, e que músicas do Scorpions tenham marcado vários momentos importantes da minha vida, eu não possa mais ouvir Scorpions. “Vai que alguém me pega ouvindo Scorpions escondido! Eu sou um Black Metal, não posso ouvir Scorpions!”

A concentração no exterior nos faz negligenciar o interior. Um lugar onde, possivelmente, talvez poderíamos encontrar muito mais sobre nossa identidade, muito mais sobre o sentido da nossa vida, do que em qualquer outro lugar fora dali.

É preciso lembrar também que as identidades nos agrupam. E me parece que passamos a nos julgar e julgar o outro a partir de padrões de comportamento dentro desses grupos de identidades. É quando, penso eu, que a identidade escolhida passa a nos cobrar um preço caro: a nossa liberdade! De ser quem realmente somos. Incongruência! Não podemos esquecer que por trás da identidade de um grupo há identidades individuais. E por trás de identidades individuais há identidades tão profundas da qual nem nós mesmos conhecemos.

Não sei se concordam, mas eu também penso que as identidades chegam a estabelecer relações de propriedade. Meu filho, minha esposa, meu amigo, minha banda, meu crush… É como, ao se estabelecer uma identidade relacional com o outro, eu também estabelecesse uma condição de propriedade humana. Em 2019 esse tipo de relação identitária ainda é considerada normal, mas eu ouso pensar que num futuro próximo ainda haverá de ser considerado crime.

Identidades podem ser tão diversas quanto o universo em expansão, mas requerem, sobretudo, responsabilidade. Consigo e com o outro. Aliás, a palavra identidade vem do latim identitas, o mesmo que idem, ‘o mesmo’.

Identidade, em toda sua pluralidade, parece querer nos dizer duas uma coisa só: somos todos iguais. E diferentes.



 
VALHALLA por Eliton Tomasi - All Rights Reserved 2017 - 2021
Website by Joao Duarte - J.Duarte Design - www.jduartedesign.com