O velho contra o novo, o novo contra o novo
Postado em 20 de novembro de 2017 | @ 23:39


Recentemente recebi através de um grupo do WhatsApp um cartaz com as supostas atrações da edição 2018 do festival HellFest na França, um dos maiores e mais importantes de todo o mundo no segmento rock/metal. Todos os participantes desse grupo estavam muitos exaltados comentando o quanto aquele line-up estava incrível, com várias bandas que todos adoravam. Inclusive eu, é claro!

Pouco tempo depois, sob um olhar mais crítico, observei que se por um lado aquele line-up era mesmo algo de espetacular, por outro era um grande desastre!

A desventura, nesse caso, se apoia na baixíssima quantidade de bandas novas no line-up de um festival tão importante como o Hellfest –  exemplo praticamente unânime entre todos os outros principais festivais de rock pesado ao redor do mundo. E a fatalidade desse caso se apoia em questões naturais: os músicos das bandas clássicas, antigas, não sobreviverão para sempre!

A lógica é mesmo simples: não há bandas novas porque as pessoas não querem ouvir bandas novas! Mesmo os fãs mais jovens do estilo (que continuam surgindo) preferem ouvir os grandes medalhões.

Se a lógica é simples para a ausência de novas bandas nos importantes festivais internacionais, há de ser também para explicar a falta de interesse do público por essas bandas novas?

 

“Na verdade, há muita música boa por aí. Essa é a notícia boa. A notícia ruim é que é tão difícil para a música boa se destacar das outras músicas que não são tão boas, por conta do óbvio desaparecimento da indústria da música.” – Lars Ulrich.

 

Essa declaração acima foi dada pelo baterista do Metallica ao programa “Rock Show With Daniel P. Carter” da BBC Radio 1. E se há uma autoridade máxima no mercado do rock e heavy metal são os donos da marca Metallica. Assim como a Apple ou Microsoft, o Metallica saiu de uma garagem para se tornar uma das marcas de maior sucesso e mais valiosas em todo mundo. Lars e James Hetfield, ao lado de Ozzy Osbourne, são os músicos de heavy metal mais ricos do metal em todo o mundo, com uma fortuna avaliada em cerca de 200 milhões de dólares cada. Então se estamos analisando música pesada pela perspectiva mercantil, eles são, definitivamente, a referência máxima. De forma que as palavras de Lars – e as ações do Metallica – são determinantes para tentarmos entender porque há um desinteresse do público por novas bandas.

Considerar a falta de qualidade e relevância das bandas contemporâneas é no mínimo dispensável. Quem delibera a favor desse argumento o faz destituído de qualquer lógica e denota nada mais do que um comportamento indolente frente a numerosa e diversa produção criativa contemporânea.  “(…) há muita música boa por aí”, afirmou Ulrich que pesquisa bandas novas no Youtube para tocar em seu programa de rádio “It’s Eletric”.

A solução proposta por Ulrich é, portanto, a mais razoável de todas: o “óbvio desaparecimento da indústria da música”. Peter Mensch, proprietário da Q Prime, companhia que empresaria o Metallica (além de AC/DC, Def Leppard, Red Hot Chili Peppers, etc), também em entrevista, à BBC Radio 4, delibera a favor de Ulrich ao dizer que a razão pelo não surgimento de novas bandas está, de fato, na falta de investimentos no mercado: “As vendas de discos ou streaming não são muito significativas e há menos dinheiro para o lançamento de novas bandas do que há 20 anos”.

Por uma perspectiva sociopolítica poderíamos aqui fazer referência a teoria do capitalismo tardio, mas como nossas pretensões são mais modestas, vale apenas destacar o comportamento dos metalheads enquanto sociedade de consumo. Sem investimentos, portanto sem produção de novos produtos (novas bandas), o consumo se concentra apenas nos produtos já disponíveis no mercado (antigas bandas).

A mediação do Estado nesse momento passa a ser fundamental. Especialmente porque através das políticas públicas de cultura, a música, o rock, o heavy metal ganham novas definições através da antropologia que promovem o resgate da expressividade, do simbólico, da identidade, dos sujeitos, conferindo-lhes maior valor frente a produção de música em série (LPs, CDs, streamings, etc). Mas as políticas públicas de cultura estão longe de serem soluções para que novas bandas de rock/metal estejam mais presentes nos grandes festivais internacionais de rock e heavy metal. Embora possam ser absolutamente significativas para a manutenção da produção criativa e formação de público, elas não são pactuantes com o mercado.

Frente ao desaparecimento da indústria e o balizamento das políticas públicas de cultura, a utopia roqueira de liberdade de pensamento é sempre um recurso.  O maior desafio, nesse caso, é exercer essa liberdade em grupo, uma vez que estamos lidando com uma questão da coletividade. A falta de interesse do público não é exclusividade de nenhuma banda nova, mas de todas, no plural, sem restrições de território, raça, gênero ou qualquer aspecto discriminatório.

Reiterar a favor da competitividade nesse momento é como brigar para roer ossos. E esse parece ser o comportamento predominante na contemporaneidade metaleira. Mais razoável seria que bandas e músicos se unissem e deliberassem a favor do trabalho em grupo para tentar encontrar soluções criativas e éticas. Se no final não conseguirem tocar no Hellfest, pelo menos, através da união, já terão criado seu próprio festival de bandas novas. Até mesmo o Hellfest teve sua primeira edição.

“Se quiser ir rápido, vá sozinho. Se quiser ir longe, vá em grupo.” – Provérbio Africano.

(Essa postagem foi feita no Dia da Consciência Negra)

 

 
 
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