Megadeth – Espaço das Américas (São Paulo/SP) – 31 de Outubro de 2017
Postado em 17 de novembro de 2017 | @ 14:07


Por Eliton Tomasi

Tempo, tempo, tempo… Vê-lo, não se pode. Tocá-lo tampouco. Ainda assim, sua onipresença é condição básica para a vida. Nascemos, vivemos e morremos sob a sombra do Tempo! Pai Tempo, Deus Tempo.

Nesses dias atuais Ele parece passar mais rápido. E passa, embora os três ponteiros, a santíssima trindade do relógio, permaneçam sendo os mesmos, como se fossem elementos transcendentes à sua própria natureza temporal.

Me lembro na época da revista Valhalla que recebíamos as respostas de pedidos de credenciamento para shows com semanas de antecedência, as vezes meses, o que nos permitia uma melhor preparação. Para esse show do Megadeth recebemos a confirmação de nosso credenciamento às 20:00 do dia 30 de Outubro, ou seja, menos de 24 horas antes do show. É preciso acompanhar a evolução cíclica do Tempo sob o risco de ser engolido por Ele. Poucas horas depois, pegamos estrada para São Paulo.

Confesso que desconhecia por completo a banda Vimic quando cheguei ao Espaço das Américas. Pensei se tratar de mais uma banda brasileira de poderosos donos de agência de publicidade ou planos de saúde que conseguem comprar a abertura para o Megadeth como se compra pastel e caldo de cana na feira.

Quando os músicos começaram a entrar no palco percebi que não se tratava de uma banda brasileira, e então reconheci o baterista, Joey Jordison, ex- Slipknot. Em outros Tempos de cobertura de show esse momento era desesperador, pois era preciso saber quem eram os músicos ali no palco, tomar nota dos nomes das músicas, etc. Em Tempos atuais basta-se dar um Google, ali mesmo no meio da plateia, para se ter a ficha completa da banda e até mesmo o repertório do show. Não tem graça. 😊

Também não teve graça o show do Vimic. Por mais que a banda se esforçasse através de seu entusiasmo, o grupo é cheio de vícios do metal contemporâneo, soando “correto demais”. Tudo é bem-feitinho, seguem a cartilha de sucesso da “New Wave Of American Heavy Metal” de forma quase militar. O vocalista Kalen Chase até vestia terno! Faltou subversão! Ao invés de romper, o grupo segue padrões. O Vimic me contagiou tanto quanto haviam me contagiado antes do show começar.

A primeira vez que vi o Megadeth ao vivo foi há mais de 20 anos, mais especificamente em 1995 na segunda edição do Monsters Of Rock. A última tinha sido no festival SWU em 2011. Nesse intervalo, vi a banda mais algumas vezes.

Sinto-me confortável, portanto, e tenho o Tempo como álibi, para afirmar que esse foi o melhor show do Megadeth que assisti! Contrariando as expectativas pessimistas – expressas através de comentários entre os metalheads antes do show, que consideravam Dave Mustaine uma vítima do Tempo, especialmente no que se refere a sua voz – o eterno ex-guitarrista do Metallica cantou, executou e desempenhou o repertório inteiro com a capacidade que lhe é peculiar: sem mais, nem menos, rigorosamente como esperam os fãs e como determina o padrão de entrega do grupo.

Aliás, aqui cabe uma paralela com o Vimic: se o Megadeth entrega um show politicamente correto, esse o faz baseado num padrão original, criado por eles próprios, com especificidades e características únicas e que, se hoje significam a “formula de sucesso” da banda, há algum Tempo atrás foi uma aposta, uma expressão de subjetividade, uma resposta amargurada, a vingança de um membro expulso de uma banda de sucesso. Enquanto que o Vimic parece mais querer se apropriar desse Tempo, sem a mesma vivência, pegando atalho em fórmulas alheias. O Megadeth é correto para os padrões do politicamente incorreto. O Vimic é correto para os padrões do politicamente correto. A diferença é grande, e significativa, para um movimento nascido na contracultura, como o rock e o metal.

Enquanto David Ellefson segue o mesmo padrão de competência de Mustaine, ficou evidente que a renovação energética da banda é responsabilidade quase integral de Kiko Loureiro e do baterista do Soilwork, Dirk Verbeuren. Parece ser quase obrigatório – com algumas exceções, é claro – que uma banda veterana adicione integrantes mais jovens à sua formação como num respeito quase religioso ao Tempo, permitindo-se manter relevante à contemporaneidade, tanto em estúdio como no palco. Sem em “Dystopia” continua prevalecendo o regime ditatorial de Mustaine no que se refere a composição, não se pode dar menos valor a interpretação e abordagem musical de Kiko Loureiro. E ao vivo sua performance fala por si, transbordante de uma alegria que contracena harmonicamente com a inerente insolência de Mustaine. Aliás, o prócer, que é defensor de uma visão política neoliberal de direita, parece não se sentir a vontade toda vez que a plateia brasileira grita “Kiko, Kiko, Rá Rá Rá”. 😊

O início do show com “Hangar 18”, além de “In My Darkest Hour”, “Take No Prisoners”, “Mechanix”, “Peace Sells” e o bis com “Holy Wars… The Punishment Due” foram, para mim, os momentos de maior emoção.

Parafraseando a mim mesmo, o Tempo é preponderante no rock ‘n’ roll. Queiramos ou não, a soberania do clássico chega a ser ditatorial diante do contemporâneo. Tentar destituir o Metallica e o Megadeth do poder é como profanar o sagrado. De forma que muitas bandas contemporâneas não fazem mais do que aglutinar papéis coadjuvantes numa perpetuação decrescente do velho rock (Vimic). A genialidade de Dave Mustaine (e de David Ellefson também, porque não?) consiste não somente em escrever músicas da mais alta qualidade para os padrões do thrash metal, mas por terem aprendido a transcender o Tempo, o próprio Senhor de seus destinos, perpetuando-se no coração dos fãs para além do próprio fim de seu Tempo: a (mega) morte.

Para ver mais fotos desse show, acesse a galeria da Suzy Fotografia

 
 
VALHALLA por Eliton Tomasi - All Rights Reserved 2017 - 2021
Website by Joao Duarte - J.Duarte Design - www.jduartedesign.com